segunda-feira, março 18

Humildade, precisa-se

 

“Que no balanço de 50 anos de democracia uma parte significativa da comunidade nacional esteja descontente e tenda para o populismo, exige humildade e determinação.

Humildade, para perceber que desigualdades gritantes persistem, a pobreza ameaça uma percentagem significativa da população, valores que importam a parte maioritária da população são desprezados ou ridicularizados, a corrupção corrói e a perceção de que o PSD e o PS não são capazes de levar o país para a frente, aumenta.

Determinação, para defender e promover a pluralidade de valores que constitui a comunidade nacional e não aceitar chantagens dos que querem o Poder com base na capitalização demagógica das insatisfações e sem nenhuma resposta séria para cuidar da coesão e desenvolver o país.

Esperemos que o que dita o nosso futuro não seja o modo como se olha para a cor da pele – situação, atualmente, aumentada – mas as nossas capacidades e sentido de solidariedade. A diversidade cultural não pode ser só a reivindicação da imposição dos valores das minorias. Deve, obviamente, respeitar e defender os valores das maiorias – e encontrar o equilíbrio no respeito mútuo é uma tarefa essencial.” Aqui

domingo, março 17

"The morning after"

 

Embora o Inglês se tenha tornado o Latim do nosso tempo, é melhor explicar a quem a desconhece: a frase refere-se aos cuidados para, com uma pílula, garantir paz de alma na manhã seguinte a uma noite de bandalheira.

Foi, todavia, num momento e num contexto bem diferente, que a frase me ocorreu no passado dia 3. Perguntava-me se fazia sentido a minha teimosa abstenção do voto, e se valeria a pena fantasiar sobre o resultado das eleições.

Terminei pela triste conclusão de que não valia. Com o melancólico sentimento que dão as vivências da muita idade, o que conheço do meu povo e da sua História, seria infantilidade esperar do resultado das eleições uma mudança a sério, profunda, e para o bem geral.

É doloroso profetizar que essa mudança não virá agora, nem nas gerações mais próximas. Os caciques, os títeres e as suas quadrilhas conhecem-se de ginjeira e há muito, cumprimentam-se, visitam-se, sabem ao milímetro o que - digam eles e elas serem da direita, da esquerda, do centro, de cima, de baixo ou do lado - podem arriscar impunemente,  pois a chamada res publica há muito é herdade sua

Bandalhos que são, ninguém os ultrapassa no uso da máscara, muito aprenderiam com eles os que estudam para ser actores. E como não há peçonha que os leve para sempre, continua a pesar-nos, de cilha cada vez mais apertada, a triste albarda que Bordalo Pinheiro nos desenhou no lombo.

Não descubro motivo para conforto ou esperança depois das eleições. Nem sequer num futuro longínquo, o que me leva a alinhar com a profecia de Saramago: a redenção e o progresso talvez cheguem no dia em que Portugal se tornar província de Espanha.

Não resta dúvida que esses nos vão roubar os anéis, mas para seu proveito hão-de cuidar que fiquemos com mãos e dedos.

 

sexta-feira, março 15

O "Halteres"

 

 

Arde nas labaredas do Inferno desde o Outono de 1940, o "Halteres", o sádico que nas aulas de ginástica nos deixava pendurados nas barras até que caíamos, gozava de nos ver trambolhar no trampolim, gargalhava se no salto perdíamos o equilíbrio e aterrávamos de costas.

Que o anjo das trevas continue a fritá-lo por séculos e séculos, ámen, e de vez em quando o espiche com água gelada, como ele nos fazia nos chuveiros do balneário no pino do Inverno.

Sempre de sobretudo, óculos defumados, as mãos atrás das costas, catarro, pele de tísico. E vá de assentar uma lambada neste, passar a outro uma rasteira, explicando com voz de fumador que  não queria ali Mariazinhas.

- Agarra o trapézio, palerma! Despacha-me essas patas, ó urso!

Uma manhã, quando esperávamos por mais uma sessão de tormento, Nossa Senhora das Dores fez o milagre: vieram-nos dizer que estava no hospital e nunca mais o vimos.