quinta-feira, abril 30

A gaja dos orgasmos

São memórias que ficam. Gargalhavam, a sufocar do riso. Então um levava a mão à braguilha, fazia o gesto de sacudir o que devia ter parecenças com tromba de elefante, e dizia à roda:
- Disto é que ela quer!
Adolescente romântico e testemunha involuntária, perturbava-me tanto a grosseria como a demonstração tola do desejo impotente.
Outra memória. Edith Piaff. Metro e meio de gente, umas poucas arrobas de pele e osso, grande voz. Ouvi-a cantar, na antiguidade em que Charles Aznavour era o seu pianista. Cama para aqui, légionnaire para ali, mon homme assim e mon homme assado, chansons de fodas de dois dias e três noites. Passada a novidade aquilo tornava-se cansativo, e a voz não bastava para fazer esquecer a discrepância entre a aparência frêle e os urros da luxúria.
Agora é ele que telefona, excitado, a perguntar se já li “a gaja dos orgasmos”. Uma que toda a gente conhece. Quase grita a contar que ela diz que ao ler certos livros tem orgasmos secretos, proibidos!....

Oiço e calo. De facto é isso: nem casto, nem virtuoso, e todavia continua a tomar-me um certo acanhamento perante a imposição do erotismo alheio.

segunda-feira, abril 27

Facebook

O Facebook veio perturbar o meu descanso. Primeiro foi um amigo de longa data a fazer a ligação. A seguir veio outro. Aceitava? Pois claro. De súbito aparece uma desconhecida. E outra. E mais outra... Uma a escrever isto: “Ahahah! Olhe, foi-me recomendado não sei por quem... Para além disso, já partilhámos um óptimo arroz de parto. Foi há uma eternidade (2001), mas estava excelente. E nunca mais conseguimos repetir a proeza. Havemos de lá voltar...”

Arroz de parto? Tinha sido de pato. Tinha de ser lapso, e logo adivinhei: é a mãe da Inês.

Mexi nos botões do Facebook, mas a técnica e as possibilidades da coisa são complicadas em demasia para a antiguidade da minha cabeça. Daí que num repente as três centenas e pico de endereços de e-mail que tenho no computador estavam a mandar pedidos de amizade para os quatro cantos.

Não sei se travei. Estou travado. Lapso! Estou tramado.

domingo, abril 26

Domingo, 26.04.09

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The Fame Formula

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Há livros interessantes que era melhor não ter lido.The Fame Formula é desses.

Há muito sabemos como se fabricam estrelas, famas e escândalos que dão dinheiro, tanto dinheiro que em torno deles se criam comércios e indústrias. Lemos ou ouvimos falar de como, a troco de pagamento, raparigas desmaiavam em público ao ouvir a voz de Frank Sinatra. De como outras, pagas também, e de modo a que os jornalistas “testemunhem” o que sabem que vai acontecer( ó mundo sem vergonha!), atiram a este e àquele cantor as chaves dos seus quartos de hotel. De como se manufacturam namoros, casamentos, ligações e escândalos, para que os tolos paguem e as indústrias da ignorância continuem prósperas

Valentino, Clark Gable, Joan Crawford, Marilyn Monroe, Andy Warhol, os Beatles, Michael Jackson, Tom Cruise, Amy Winehouse... para só citar estes entre centenas, você dormirá melhor e viverá mais alegre se ignorar o muito de repelente que em geral está por detrás da celebridade.

Divirta-se e entusiasme-se no cinema, nos concertos de rock, mantenha a sua admiração por aquele Bonno Salvador do Mundo e Santa Angelina Jolie, padroeira dos pretinhos, o profeta Al Gore e as mais Madonnas. Não leia o estupor do livro.

Eu próprio dispensava o que nele aprendi, mas já minha mãe o disse no dia em que, puto de quatro anos, me pus a ver o sol através duma lente e queimei a pálpebra: “A curiosidade ainda te há-de matar!”

sábado, abril 25

Surpresa

Alegre surpresa num sábado de chuva, frio e melancolia. A escrita por vezes tem disto

25 de Abril

Trigésimoquinto aniversário do dia das ilusões.
Festa?
Que festa?
Onde?
Para quem?

quinta-feira, abril 23

Caixa de velocidades

Facilitaria a vida, e de certeza tornaria as relações mais agradáveis, se nas simpatias e amizades se pudesse instalar uma caixa de velocidades.
Engatava-se-lhe a primeira e continuava-se até ao que parecesse marcha conveniente. Mostrava-se agradável? Metia-se-lhe a quinta. Aborrecia? Punha-se no ponto morto.
Infelizmente, os sentimentos não possuem a rigidez da mecânica. Assim sendo, sinto certo transtorno ao dar-me conta que a oferta do dedo pode implicar o risco de me ver sem braço; desnorteia-me que da mostra de simples simpatia resulte um perigo de anexação sentimental; entro em pânico quando, todo sorrisos, amigo velho ou conhecido de fresca data me vem com conselhos e sugestões. Sobre a escrita, ainda por cima.
Caixa de velocidades com um amplo ponto morto! Soubesse eu onde encontrar uma!

quarta-feira, abril 22

Invenções

Todo o cuidado é pouco, tudo mudou. Fantasia-se uma história num momento de irritação, descarrega-se o excesso de bílis inventando um personagem, e já não é no jornal de amanhã que se tornará pública, mas de imediato num blogue, pronto tremelicam os telemóveis.

- É fulano! Chapadinho!

- Olha que não. Deve ser aquele gajo que assobia muito bem.

- Ou o outro, o cornudo.

- Esse não tem bigode. Cá na minha é o cunhado.

- Se fosse o cunhado... Ouve lá, vais ao café?

No café já se sabe e discorda-se.

- Cornudo coisa nenhuma, e o cunhado também não. Na minha ideia é o vizinho dele, o do terceiro andar, o que tem gaiolas na varanda.

- O dos periquitos?

- O outro, o dos papagaios.

- Vocês não estão a ver! Ele escreve aquilo para gozar! Inventa!

- Ai é? Então porque é que diz que o sujeito gosta muito de cerveja e que lhe fica a espuma no bigode?

- Com certeza li à pressa. Não vi. Fala de bigode?

- Sim senhor. Por isso é que não pode ser o cornudo. Tem de ser outro.

A história inventada vai crescendo, ganha cenas novas, torna-se real.

- Sabes que o Azevedo escreveu uma coisa no blogue dele e que o vizinho....

- O dos papagaios? Disseram-me que era o cunhado, o bigodes da farmácia.

- Há quem ache que é o tio. Ou o cornudo.

- O que se veste de mulher?

- Não. Aquele gajo das pulseiras, o do Passat azul.

segunda-feira, abril 20

Densidades magmáticas

O “Nouveau Roman” , que muito me irritou, era então a grande moda, e a esse propósito Primo Levi escreveu no jornal La Stampa de 11 de Dezembro de 1976 um artigo intitulado “Acerca da escrita obscura”. Dele copio o que segue:

“... o grito é um recurso extremo, benéfico para o indivíduo como o são as lágrimas, mas inerte e grosseiro se entendido como linguagem: o inarticulado não é articulado, o barulho não é som. Por esse motivo enfastiam-me os louvores que se fazem a textos “que soam no limite do inefável, do não-existente, do chiar animal”. Estou farto dos impostores que falam de “densidades magmáticas” de “negações semânticas” e de inovações mofentas. Páginas em branco são páginas em branco, o mais avisado é dizer que são páginas em branco; se o rei vai nu a honestidade manda que se diga que vai nu... “


O “Nouveau Roman” faleceu, grande alívio, mas ainda há gente em demasia que gostosamente se enrola em densidades magmáticas e negações semânticas.