quarta-feira, setembro 23

O caminho da horta


"De manhã cedo ouvia o Ti Serafim aparelhar os animais e depois, cerrando os olhos, esperava que subisse as escadas e entrasse no meu quarto. Eu a fingir que dormia, ele a fingir que se ia embora sem me acordar, mas chegado aos pés da cama puxava o cobertor com um safanão.

Ríamo-nos ambos, ele dava-me a benção, eu dava-lhe os bons-dias, e num pronto estava vestido, borrifava a cara com água. Comer não queria, porque levávamos merenda para quando nos desse a fome, e então chegava o momento de nos pormos a caminho: ele trazia uma burra para junto da escada e quando a albarda ficava à boa altura eu deixava-me escorregar, com a ilusão de que era um cavalo e o montava como faziam os cowboys, saltando do chão.

Íamos lavrar a horta até ao sol-pôr. Naquela monotonia de abrir sulcos e amanhar a terra, eu imaginando-me também lavrador quando ele me deixava ir sentado no arado, ou me dava um sacho dos mais pequenos para que também cavasse.

Se o calor era muito mandava que me fosse refres­car na ribeira, mas tivesse cuidado com as cobras e os lacraus. Sozinho, descalço, metia-me na água que nem sequer aos joelhos chegava e ia-me a explorar.

Qual Amazonas! A selva era ali! A catarata de metro e pouco ao pé do moinho rugia mais forte do que se dela se despenhassem as águas do Nilo. A qualquer momento poderiam saltar leões dentre os fieitos e os juncos, as rãs a nadar eram os meus crocodi­los, mais adiante conse­guia ver no alto das árvores a cabana onde Tarzan morava."