domingo, novembro 1

Dia de Todos os Santos


Estamos no adro à espera que a missa acabe, um pouco afastados do grupo à porta da sacristia. Num sussurro, virando-se ligeiramente para que os outros não vejam. Que me parece e se o acho bonito.

Relógios não me excitam, tenho um Omega de quando fiz dezasseis anos e que guardo numa gaveta, para as horas basta-me o telemóvel. Mas concordo que é bonito, provavelmente caro.

- Nas lojas aí uns setecentos euros. Ou mais. Seiko Kinetic. Não tem pilha, não precisa de corda...

- Conheço.

Tira-o do pulso e passa-mo para a mão. Viro e reviro como que a apreciar, mas de facto desinteressado. Desinteressado do relógio, da conversa e da companhia, porque embora nos conheçamos de há muito o contacto é superficial, sempre o considerei um rastaquouère - de vez em quando acodem-me destas palavras perdidas - chamar-lhe pulha talvez fosse exagero, mas as águas em que navega não são claras e há nele qualquer coisa de retorcido, um viver em viés, mesmo no vestuário se lhe lêem sinais que põem de aviso.

- Se quiser...

A pausa e o meio sorriso prenunciam a proposta. Este não, que o quer para si, mas por cento e vinte, cento e cinquenta, arranja-me igual ou até melhor. Não mo pode dizer, mas fique eu descansado que não é negócio de ciganos.

- São uns rapazes... Está a compreender?

Mesmo sem o gesto de rapina já tinha compreendido e agradeço, aceno que não.

Sai o préstito da igreja. Os acólitos com a cruz e as lâmpadas, o padre lendo alto o breviário, o povo atrás, nós também.