terça-feira, novembro 10

Heidelberg


Arrependeu-se lá por ter ido, arrepende-se agora de ter regressado. Esteve seis anos na universidade de Heidelberg e a investigação em que participou era interessante, só que...

Descaem-se-lhe os cantos da boca e num automatismo pega o maço de cigarros. Não o abre. Pousa-o de novo. Seis anos. Tempo mais que perdido. Trabalho, projectos de futuro, amizades, nada resultou.

- A Ana quer o divórcio.

Produzo uns sons, faço um vago gesto de comiseração. Se fosse um amigo seria outro o modo, mas pouco mais é que um conhecido e de momento a minha disposição é esta.

Fala agora de Heidelberg. Tudo muito pitoresco mas provinciano ao extremo, mesquinho, aquele tipo de sociedade em que uma pessoa se sente sufocar.

- Um dia um gajo chamou-me turco! Na rua. Turco!

Contive-me, mas quase caí a dizer-lhe que não devia ter sido insulto, mas por causa do bigode.

- Na minha ideia – continua ele – não é só xenofobia, há lá um grande desprezo pelo emigrante. Vê-se nas pessoas. Nos olhares.

Calei-me para que não se magoasse. O emigrante de facto sente o desdém, mesmo se ele se manifesta sob a capa da gentileza. Pior que o desdém, contudo, é o medo que carrega consigo. O medo de perder, de não compreender, o medo de que não conta, e ainda algo de que no mais fundo está ciente e nem a si próprio confessa: a certeza de que "eles" de verdade o olham, mas nem sequer o vêem.