sexta-feira, janeiro 15

Quantas serão?

Durante uns vinte anos fui cliente fiel da garagem do senhor Schwab. Quando mudou de proprietário mudei eu também, porque nem o serviço se comparava, nem se sentia ali a presença das pequeninas coisas e dos gestos que são o íman da simpatia.

Uma vez por outra, ao acaso de uma irritação ou de um contratempo na garagem, infalivelmente recordava a eficácia e a cortesia do senhor Schwab e da sua gente.

O tempo passa, a memória esvaece, as pessoas desaparecem aos poucos na sombra do passado.

Dessa sombra saiu o senhor Schwab dias atrás, quando abri o jornal, e pela milésima, senão milionésima vez, me maravilhou o mistério do Destino.

O senhor Schwab é homem abastado, tem a paixão dos cavalos e dos automóveis, ele próprio construiu pelas suas próprias e competentes mãos um que é, como se costuma dizer, a menina dos seus olhos.

Mas não vem agora ao caso o presente, sim a sua história de menino.

Em 1942 tinha, como eu, doze anos. A família, muito pobre e judaica, vivia no terror permanente da deportação desde que dois anos antes a Alemanha invadira o país.

O Destino intervém na manhã em que a mãe o manda a um recado e os vizinhos, no momento em que regressa, não o deixam passar, porque logo adiante os alemães procediam a uma razia dos judeus. O senhor Schwab vê os pais e a irmã desaparecer num camião e, conta ele que, como que num estado segundo, não sente medo, nem sequer estranha que os vizinhos o abandonem.

Nessa noite, com o dinheiro que sobrara do recado, aluga um quarto. No dia seguinte procura trabalho e faz-se aprendiz de serralheiro. Ao receber a primeira paga dá-se conta que o patrão o rouba. Procura outro. Depois outro. Outro ainda. E vai aprendendo: serralheiro, bate-chapas, mecânico, até que finalmente tem o bastante para se estabelecer.

Chegado a esse ponto o jornalista quer saber se o senhor Schwab sentiu muito a falta da família, se lhe custou.

- É curioso, não é? Depois daquele terrível momento nunca mais pensei neles.

- Nunca?

- Só uma vez. No dia em que abri a garagem disse comigo que gostava que o meu pai visse aquilo.


O medo. O instinto da sobrevivência. O Destino. Quantas serão as forças que nos empurram? Quais serão as que nos salvam?