domingo, junho 13

Um gole de Grant's

A serenidade do fim da tarde de ontem convidava à paz, à calma, e a dois dedos de Grant's bebido com vagar no pátio. Olhando os montes fronteiros, revendo a paisagem de searas que foram, os eucaliptos que os invadiram depois, o mato verde-escuro que pouco a pouco vai retomando os direitos da Natureza.

Ela deu as boas-tardes, aceitou o convite para se sentar, mas uísque, não, obrigado, nunca na vida inteira bebeu uma gota de álcool. Nem sabe se gosta, porque nunca quis provar. Falámos então das coisas e loisas costumeiras, o tempo, os achaques, as batatas que estão a crescer muito bem porque a chuva veio mesmo em boa altura, a desgraça do homem que em Montalegre degolou a sobrinha, deu um tiro na mulher e se suicidou depois.

Persignou-se ela a esconjurar o espírito do Mal; beberriquei eu, perguntando-me se perdi o gosto ou se se tornou diferente o sabor do uísque.

- Fez oitenta, não foi?

Acenei que sim, com o sentimento incómodo de que a pergunta não parecia totalmente acidental.

- E continua lúcido! Olhe que nessa idade há muita gente...

Creio que a intenção era boa, mas de súbito senti-me como alguém que usurpa um lugar. Com oitenta anos feitos, são do corpo e da cabeça, o meu funcionar não pode ser o que tenho, mas aquele que os outros de mim esperam.