sábado, abril 30

O blogue


Maravilhoso instrumento, um blogue. Faca de dois gumes também, dando a ilusão de que alguém nos lê e deixando-nos com a incerteza se o "leitor" terá mesmo lido, ou foi apenas visitante acidental, alguém que por acaso bateu uma tecla.
Seja como for, a ilusão vale mais. Embala-nos com a possibilidade de que no vasto mundo, homem, mulher, idoso ou criança, há um ser que durante segundos nos bate à porta, ou fica minutos aguardando, nunca saberemos porquê, nem com que simpatia ou interesse, aquilo que escrevemos.
Tempos atrás, com regularidade de cronómetro, vinha aqui alguém que habitava Krasnoiarsk. Seria um russo que lia português? Uma portuguesa que o Destino ou o casamento tinham levado para a Sibéria? Algum minhoto que nesses longes ganhava a vida?
Empurrado pela curiosidade, mais de uma vez estive vai-não-vai para procurar o contacto, mas o bom senso aconselhou que o não fizesse, guardasse a ilusão.
Assim tem acontecido vezes sem conta. Horas que seriam de monotonia ou vazio, passo-as a imaginar quem será,  que sonhos tem, a pessoa que me "visita" da Covilhã, Algés, Chicago, de Macau ou Uberlândia. Imagino rostos e sorrisos, gente boa, interessante, que partilha os meus gostos e sabe mais do que eu.
Como seria o meu dia sem as horas de ilusão que o blogue dá?

sexta-feira, abril 29

Desculpas


Mau hábito de que não me curo, este de pedir desculpa quando a vontade é começar à bordoada, mas desta vez nada de vénias ou cortesias, a personagem de tal modo e há tantos anos me mexe com os nervos que tenho de lhe pintar o retrato.
Entre os povos do sul passaria por anã. Na Holanda onde nasceu, terra de gigantes, mesmo com tacões desmesurados o seu pouco mais de metro e meio coloca-a entre as crianças. Com o cigarro constantemente nos lábios, o penteado punk, a voz rouca, dois livros que se venderam bem, a senhora é figura na cena literária, pontifica a torto e a direito, toma os ares de Simone de Beauvoir après la lettre.
Encontrámo-nos uma única vez anos atrás e não chispou entre nós a faúlha da simpatia. Bem ao contrário. Foi de parte a parte uma aversão instintiva, o meu metro e sessenta e pouco suportando mal aquele metro e meio de extrema vaidade, jactância e auto-satisfação.
Entrementes, para além do êxito literário, aconteceu-lhe ter casado, e posteriormente enviuvado de dois homens que, um no jornalismo, o outro na política, eram na sociedade holandesa figuras de algum relevo. Pobres defuntos, esses dois. Já em livros, revistas, entrevistas e televisões tínhamos sido postos ao corrente das suas proezas e acrobacias na cama, e como ela, gritando, arranhando, mordendo, urinando e defecando, delirava nos  orgasmos. Mas agora, a lubrificar o mercado para um novo livro, aparece na televisão esmiuçando   recordações sobre "o potente membro" do último marido e a fome que sente das horas passadas em "luminoso êxtase".
Deveria eu ocupar o tempo em coisas mais elevadas? Pois deveria. Aquele detalhe do metro e meio da senhora também era escusado. E assim, sem me dar conta, recaio no mau hábito de pedir desculpa. Ninguém é perfeito.

segunda-feira, abril 25

António


Estranho caso, o deste homem nascido à beira-mar, logo de miúdo incapaz de decidir um rumo. Andou em viagens e aventuras, por três ou quatro vezes teve a riqueza à mão, mas, chapa ganha, chapa gasta, esbanjou tudo. Os palacetes que fez foram caindo aos pedaços, a roupa de marca usa-a agora com remendos, os cavalos e os Ferrari foram para a penhora, no super-mercado conta as moedas antes de comprar asas de frango. Encostado ao balcão ainda pede uma bica com o ar desenvolto de quem tem pressas e afazeres, mas dali vai sentar-se no jardim, à espera que as horas passem.
Teme a volta a casa. Ora são os homens do fraque, ora as intimações do tribunal e dos credores, ameaças de despejo. Dias atrás levaram-no à força para um escritório e não ousa recordar os insultos que lá ouviu. Caloteiro, madraço, pelintra, vigarista, os punhos ameaçadores quase a tocar-lhe o rosto. Pediram-lhe contas, disse que não sabia. Quiseram que explicasse, respondeu que esquecera.
Quando lho mandaram saiu às arrecuas, na atrapalhação enganou-se na porta, os ouvidos a rebentar com a gritaria e as pragas que lhe rogavam.
Juraram-lhe: ou paga ou dão cabo dele, os filhos vão para Casa Pia, acaba na rua a pedir esmola.
Toma-o o medo de que começou a endoidecer. Dias atrás, na esquadra, quando lhe perguntaram o nome respondeu que não sabia, tinha esquecido.
- Então não sabe como se chama?
- Não sei. A minha cabeça já não dá. Mas ponha aí Portugal. António Portugal.

sábado, abril 23

Salamaleques


Um achaque, uma ponta de febre, logo a gente se desinteressa do que vai no mundo. Assim, só agora fiquei ao corrente de que umas dezenas de personalidades foram, ou vão, solicitar ao Presidente da República que arranje o que se desarranjou e endireite o que no país está torto.
Há nesse gesto algo que me aborrece, pois a meu ver vai longe o tempo em que os "homês bõs da naçom" iam ajoelhar diante do monarca e solicitar a sua mercê.
Fora isso, surpreendeu-me também que a certeza antiga de que "O Povo é quem mais ordena" parece ter perdido a data de validade. Põe-se o povinho de lado e vão os senhores confabular em tête-à-tête sobre o modelo de nova albarda para o Zé.
Desagradou-me ainda ver entre essas personalidades sujeitos que aproveitaram dos erros que agora  querem ver corrigidos, outros que desses erros foram co-autores, e uns quantos que se calaram enquanto estiveram sentados à mesa do banquete.
Tenham vergonha, deixem-se de salamaleques.

quinta-feira, abril 21

Muito que conversar

Porque tenho um longo conhecimento dos meus defeitos, sei que possuo um baixo nível de paciência para comigo mesmo e para com o meu semelhante. Sou capaz de me mostrar atento e de, como se diz, ir aguentando, pôr uma aceitável cara, consigo até ocultar razoavelmente a aproximação do momento de fervura.
Um santo de certeza faz melhor, mas a minha virtude não vai muito além da força e das intenções que tenho.
Chovia, os cães ladraram à aproximação do estranho nesta quelha de três casas, o senhor quando me viu nem tempo se deu de dizer quem era: pronto anunciou que vinha de longe para trocar umas ideias comigo. A sua intenção tinha sido aparecer logo às oito da manhã, mas ele próprio achara cedo e por isso escolhera o fim da tarde.
Durante umas horas – na realidade foram apenas minutos, mas dos de muita demora – ouvi a sua biografia, o nome dos seus conhecidos, títulos de poemas e romances, os cargos que desempenham alguns dos seus conhecidos, o nome das figuras políticas que admira. Repetiu, sublinhando, a urgência de abancarmos um destes dias para discutirmos a fundo as suas ideias e analisarmos até que ponto elas e as minhas são convergentes.
Respondi-lhe que estava a chegar de viagem, tossi a confirmar a minha constipação, disse-lhe, o que era facto, que as minhas filhas tinham pouco antes chegado da Holanda e ainda mal lhes falara, repeti o ataque de tosse.
Encarou-me, atónito de que eu não compreendesse a urgência e a seriedade do seu intento. Rabiscou um número de telemóvel e prometeu que volta, despedindo-se com um "Temos muito que conversar!"


terça-feira, abril 19

"...wants to be friends on Facebook"

À razão de uns quantos por dia, anteontem dezassete, recebo pedidos de que fulano ou sicrana “wants to be friends on Facebook”. É simpático, é moderno, parece que se conta no mundo quando se têm muitos “amigos” no "Facebook", mas é também muito parecido com a gentil e aborrecida impertinência dos fiéis das várias crenças, que nos batem à porta a oferecer a salvação da alma e um lugar VIP no Reino dos Céus.
A mim, como disse aqui, falta-me tempo, paciência e disposição para responder pessoalmente a cada um desses candidatos à minha “amizade”, e explicar-lhes que, mesmo com as melhores das intenções, os seus pedidos são importunos.










segunda-feira, abril 18

O Beco da Amargura

Com esse azedume, inveja mal contida, olhar vesgo, o modo de quem paira acima do comum, você, jovem amigo, dá-se em espectáculo. Julga-se personalidade, figura, quer ser um senhor, mas, que diabo, tem tudo do arlequim. Torna-se ridículo.
Fazia bem acautelar-se, pelo menos no propósito. Se o bom senso de que necessita não consegue ultrapassar a sua vaidade, nem os interesses da capelinha onde se vê sumo sacerdote, dê-se pelo menos ao trabalho de fingir. Sorria. Distribua os clássicos apertos de mão e pancadinhas nas costas, finja-se atencioso.
Digo-lhe isto porque, continuando assim, você, que a arranhar e a arreganhar aspira à vanguarda no Olimpo das Letras e, eventualmente, um sarcófago em São Vicente de Fora, arrisca-se, quando muito, a ter uma placa comemorativa no Beco da Amargura.

quinta-feira, abril 14

O pequeno-almoço


Pelas mil razões que motivam o nosso comportamento, o ambiente do pequeno-almoço num grande hotel é deprimente. Sem causa que se adivinhe há em torno da fartura de alimentos uma urgência de multidão esfomeada, pressas de abandonar o Titanic, empurrões de recreio infantil, sorrisos que são esgares, sobrancerias de quem quer que se veja que está habituado a ser servido e apaparicado.
Tomam-se mesas de assalto, este e aquele acena aos colegas já abancados, entram mulheres que parecem hesitar entre as saladas e os sumos, na realidade tentando manter o equilíbrio sobre os tacões-agulha. Nórdicos enrugados pela idade e a falta de sol, a magreza das pernas a sair-lhes dos calções, rodopiam na esperança vã de que os empregados lhes procurem lugar. A satisfazer sabe Deus que raivas ou traumas, às oito da manhã vê-se gente a comer salsichas, salmão fumado, ovos estrelados, presunto, carnes quentes e batatas salteadas, com a voracidade de quem esteve no deserto e jejuou três dias. Os tímidos ocupam os cantos, sorriem no vazio, indecisos se valerá a pena perder o lugar por mais um sumo de laranja.
E assim, ali onde há muito, como eu mal, vou-me depois a um café saborear em paz uma meia-de-leite e um croissant.

sábado, abril 9

Nos dias a vir

Terça-feira 12/04:
- entrevista com o jornal  "i"
- entrevista com o semanário "Sol"
- entrevista com "UP", a revista dos aviões da TAP
- 18h30 - Lançamento de "La Coca" na Livraria Bertrand (Chiado)
Quarta-feira 13/04
11h00 - Livraria Ideal - TVI
14h00 - Portugal no Coração
Quinta-feira 14/04
11h00 - Ah! A Literatura – Canal Q
14h00 - 16h00 – Câmara Clara

De 16 a 19/04 em Matosinhos:

(Clique para aumentar)

quinta-feira, abril 7

Patriotismo


"My country, right or wrong". Ter pena e sentir vergonha pelo meu país também é patriotismo.