sábado, julho 2

Paneleirices

- Nada feito! Se não gosto, não gosto, se quero dizer digo!
Mirandela. Três da tarde. Muito sol. Esplanada à beira-rio, cheia de gente nova e gente menos nova, sexagenários a mostrar que se aguentam, meninas cinquentonas, velhinhas de bengala. Tiques, atitudes e ademanes citadinos, mas imitação, daí irremediavelmente provincianos.
- Nada feito! Se não gosto, não gosto! – repete ele, quase num berro.
O barulho é muito, a correria dos putos entre as mesas um incómodo, o sorriso bovino dos jovens papás justificaria a rasteira. Algumas cabeças voltam-se para o nosso lado quando ele, zangado com aquilo, empurra uma cadeira contra a mesa vizinha.
- Meia dúzia como eu e isto mudava! Mas não há! Não muda!
O almoço pesado, bastante Calvados, depois três cafés, qualquer coisa o deve ter indisposto, excitando um temperamento que nunca foi dos mais calmos, mas raro vi assim.
Como se costuma dizer, conhecêssemo-nos há uma vida, e sem sermos amigos do peito temo-nos a simpatia que justifica um almoço de vez em quando.
- O que este país precisava…
Interrompe-se. Acende outro cigarro. O pé acelera o bater nervoso, o olhar turvo um mau prenúncio. A ver se despoleto a inesperada fúria, aponto o jerico que passa na ponte, mas a sua atenção tem outro alvo:
- Não aguento paneleirices! Estás a ver aquele dengoso? O jeitinho como ele tirou os óculos escuros e os pôs na cabeleira? A minha vontade era partir a cara ao filho da puta!
As anciãs fingem um trejeito de repulsa e susto, mas, brejeiras, acenam ambas que sim, que sim.
Digo que está na hora, dou-lhe o braço para que não cambaleie, mas não evito o seu último berro:
- Cambada de panascas!