terça-feira, julho 12

Soares


-  Angola! – levanta-se da cadeira e abre os braços a dar a medida – Ah! Angola! País?Aquilo não é país, é um continente, um mundo!
Começa assim e é melhor não sorrir nem contrapor, porque se zanga a sério, sobem-lhe as raivas antigas do que perdeu, as memórias dos bons momentos, a nostalgia do tempo em que era senhor e mandava.
- Mais de trezentos pretos! Milho! Café! Trazia aquilo num brinco. Mas preto para o trabalho não presta, sabem vocês para o que ele é bom? Mesmo bom? Cozinhar. Não sei o que o que os filhos da puta têm, mas de cozinha entendem. O meu, a gente chamava-lhe Botas, quando grelhava os leitões!... Qual Mealhada! Um coronel que lá esteve disse que nem em Paris!
- Não sei sem Paris se come leitão.
- Claro que come.
- O Botas! O gajo não provava a comida com colher, metia a mão na panela e chupava os dedos! Quando fazia...
De súbito volta-nos as costas.Constrange aquela dor sem remédio e fingimos não ver que tira o lenço para secar as lágrimas, finge ele que se assoa.
- O Soares! Se eu um dia apanhasse esse canalha!