segunda-feira, novembro 21

Domingo, seis da tarde

Domingo, seis da tarde. Um escuro de noite feia, manto negro a abafar alegrias e esperanças.  Sem mais que fazer olho pela janela, mas deste lado da casa, virado para a serra, não vejo céu nem montes, só negrume. Os gatos aninharam-se na almofada junto do radiador. A minha mulher lê. Aqui e lá fora um silêncio pesado.
- Televisão?
Ela abana a cabeça sem me encarar, volto à janela, inquieto sem saber porquê, daí a pouco o telefone toca e olho distraído o relógio, seis e meia, atendo com um sentimento de mau prenúncio.
Quando volto a ver as horas passa das oito e continuo a ouvi-la sem interromper. As mortes,  as doenças, aqueles maravilhosos anos em Angola, mesmo durante a guerra. As festas no Lobito. Horas e horas de Land-Rover na picada. A avioneta. Os dois desastres. O Huambo, lembras-te? Não sei do que fala, mas digo que sim, lembro-me. As  caçadas. A felicidade de ter voltado quando tudo ainda corria bem. Em 71, lembras-te? O  divórcio. Ele já reformado. Ou foi antes? As enteadas que continuam a fazer da sua vida um inferno. A herança. As partilhas. A casa no Restelo, lembras-te? O filho quer ir para o Brasil…
Repete a promessa de um dia nos aparecer aqui, certa de que a calma dos montes a consolará do que perdeu, talvez mesmo ajude a reencontrar a pessoa que sente que deixou de ser. Continuo que sim, que sim, faço de vez em quando uns ruídos, produzo umas sílabas.
Passa das nove quando se despede com "beijinhos grandes".
A minha mulher continua a ler e os gatos a dormir. Aceno que vou fazer o chá e as torradas que ao domingo são o nosso jantar.