quarta-feira, outubro 2

As sombras do fim


É grande alívio depurar o passado. Ou tentar esquecê-lo. Limar as arestas dos momentos que perturbam o sono e se tornam pesadelo.
Ambos sabiam que não era amor, nem sequer amizade, pura e simplesmente ataques de luxúria, brutais, erupção vulcânica de sentires que desconheciam, a cama um campo de batalha, cada encontro uma luta de feras.
A primeira vez ainda tinham imitado beijos, fingindo carícias e ternuras, mas perderam-se no momento em que o acaso lhes fizera descobrir que procuravam o mesmo, que não tinham de esconder nem dar-se tréguas.
Uma tarde, deitados lado a lado, ofegantes, exaustos, viu-a sorrir e quis saber.
- Nunca me teria passado pela cabeça – respondeu ela.
Apertou-lhe a mão, ela correspondeu entrançando os dedos nos seus. Esse, recordaria ele muito depois, tinha sido um dos raros momentos de confidência, quase de ternura.
Respeitou-lhe a vontade quando ela disse que não voltaria, que é melhor decidir o fim do que aguardar que ele nos surpreenda e magoe.