segunda-feira, maio 16

A farmacêutica e o lagarteiro

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É filha como poucas: a vida inteira dedicada aos pais e à farmácia que deles recebeu. Férias nunca teve, nem tempo livre, que o gasta todo no trabalho e no arranjo da quinta. Desde sempre, em Maio vão os três em romagem a Fátima.
Chegada aos cinquenta, nunca se lhe conheceu uma amizade, namoro ou paixão, o que as más-línguas explicam dizendo que deve ser culpa da postura desajeitada.
É verdade que os seus braços são como trancas, as pernas dois cepos, e bem escanhoa o bigode, não adianta, mas se ao menos desse um jeito ao cabelo em vez de gostar dele à escovinha, talvez ajudasse. Os pais assustaram-se na ocasião em que o pintou de azul e verde. Acabasse com aquilo, as pessoas eram capazes de não gostar e irem mais à farmácia do Magalhães.
Desde Fevereiro tem uma nova ajudante, a Glória, rapariga meiga com quem se fecha no gabinete para, como explicou às outras funcionárias, lhe ensinar o que ainda lhe falta de prática.
Em Março comprou o lagarteiro. O pai disse que era esbanjamento, mais valia tratar com o Sebastião o trabalho da lavra, mas ela insistiu e venceu. Sai com ele como quem vai a passeio pelas encostas. Gosta do ronco do motor, e quando pega nas alavancas e os dentes do arado se cravam na terra, sente como sua aquela força.