terça-feira, setembro 27

Uma forma de desprezo

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Vive em grande luxo num dos canais nobres de Amsterdam, dentro em pouco fará noventa anos, de si próprio diz com desinteresse: “É estranho como  continuo a ter tão boa memória.”
De facto tem. Gosta de recordar que do Ártico à Patagónia, de Portugal à China, trabalhou em todas as partes do mundo e, belo homem que foi, não faltaram mulheres exóticas na sua vida. Dessas casou com três, a que realmente amou faleceu há pouco, as restantes e os filhos aborrecem-no com exigências de dinheiro.
Conhecemo-nos desde os anos sessenta, e a simpatia permanece. Une-nos também o interesse por computadores e pela internet, talvez porque ambos somos do tempo em que mesmo a rádio era maravilha. Hábito de décadas, encontramo-nos de mês a mês no nosso café e, cavaqueando, bebe ele duas ou três genebras, fico eu pelo copo de tinto.
Ontem, rememorando uma tumultuosa peripécia dos seus amores, surpreendeu-me o modo como em certo momento disse: “No passado, quando me zangava com alguém, havia nessa zanga um certo respeito. Actualmente recuso zangar-me com quem quer que seja. Creio que é uma forma de desprezo."
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Publicado no CM.