domingo, janeiro 8

O cântico das marés

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"...e quando um dia, numa hora por ti não esperada, os filhos dos nossos filhos por mim perguntarem, levanta os braços, abraça o céu e diz -lhes que estou por aí. No azul das fragas, no cinzento das pedras, no verde das ervas onde o milagre  da criação perpetua a vida, e o tempo do nunca corre na eternidade de todos os tempos. Que as tuas lágrimas não ensombrem seus olhos de meninos. Que o tremor da tua voz não lhes cale os hinos ao futuro de todas as esperanças, ao contentamento de todas as conquistas. Ergue a cabeça e junta à deles a tua e a minha voz.
Com eles celebra a vida. O cântico das marés, o brotar do dia nas cumeeiras das serras, o abrir de asas dos milhafres em voos rasantes aos campos de milho, os gritinhos vermelhos das papoilas nas searas ébrias de sol.
Conta-lhes como eu, filha dos montes, altos montes, atrás dos montes concebida e gerada,  deixei meus pés aí lançarem raízes e nas mãos tomei a lonjura de outras terras, de outras gentes.
Não lhes fales agora da minha dor. Que sejam eles, por enquanto, estranhos às minhas trevas, às minhas renúncias, à minha nesga de firmamento que o meu sofrimento me negou.
Não contes, para já, aos filhos dos nossos filhos como, acossada pela peleia entre a morte e a vida, pedra a pedra, angústia a angústia, dentro de mim um eremitério construí. Refrigério de esmigalhadas forças em esforçados sorrisos, alento, alor para seus pais, nossos filhos..."
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Este texto de Maria da Piedade Barroso Martins, autora inédita, chegou-me sem título. Atrevi-me a baptizá-lo " O cântico das marés", partilho-o com a emoção que provoca um texto  desta qualidade.